XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM, ANO C – SÃO LUCAS

 

Leituras: Eclo 35,15b-17.20-22a; Sl 34(33); 2Tm 4,6-8.16-18; Lc 18,9-14

(1) O Deus de Jacó e de Moisés jamais despreza a prece do pobre. (cf. Eclo 35,17). Imagem: extrato de “A criação de Adão” (1508-1515), por Michelangelo. (2) “O fariseu e o publicano” (1886-1894), por J. Tissot.

 

Ouça o áudio preparado para esta liturgia (pode demorar alguns segundos)

 

⇒ HOMILIA ⇐

O modelo de oração

Lc 18,9-14

 

A liturgia deste 30º Domingo do Tempo Comum retoma o tema da oração e nos apresenta duas posturas diante de Deus com relação à prática do homem orante. No domingo passado, o Senhor nos falou da necessidade de rezar sempre sem nunca desistir (cf. Lc 18,1). Na liturgia de hoje ele nos apresenta dois modelos de oração para nos ensinar que o centro da oração não somos nós mesmos, mas, da parte de Deus, a gratuidade e a misericórdia e, da nossa parte, a humildade.

Neste sentido, mesmo cumprindo todos os mandamentos, jejuando duas vezes por semana, participando diariamente da missa, rezando o Terço e as novenas todos os dias, fazendo momentos de adoração e louvor, não podemos nos colocar na posição e no direito de julgar o outro, dizendo: não somos como os outros homens… (cf. Lc 18,11).

Jesus não está pedindo que deixemos nossas práticas espirituais e nem está elogiando os que não vivem a vida cristã e por isso levam uma vida incoerente com os critérios de honestidade e moralidade. Ele quer nos mostrar que o centro da oração deve ser sempre Deus, com sua misericórdia e não as culpas do outro e, ao mesmo tempo, o nosso autoelogio.

Deus nos ensina sobre a nossa oração humilde, como nos fala o Eclesiástico: A prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha e faça justiça aos justos e execute o julgamento” (Eclo 35,21-22).

Devemos refletir que, mesmo quando somos fiéis aos nossos compromissos cristãos e às nossas práticas orantes, continuamos pecadores e necessitados da misericórdia de Deus. Será que muitas vezes nos comportamos como aquele fariseu citado no evangelho desta liturgia? Considerando-nos os mais responsáveis, os mais corretos, honestos e cumpridores das leis da Igreja e dizemos que não somos como os aqueles outros…

Ter uma vida correta moralmente e religiosamente é nosso deve, pois somos chamados pelo batismo a ser sal e luz do mundo. O mundo precisa da nossa presença com uma vida reta, que tem sentido e que pode ajudar os outros a caminharem em direção à vivência da Palavra, no cultivo da justiça, do amor e da paz.

A postura do fariseu nos lembra o início das nossas celebrações, quando somos convidados a fazer um exame de consciência para dignamente ouvirmos a Palavra e nos alimentarmos do corpo e sangue do Senhor. Neste constante olhar sobre nós, numa postura e espírito de humildade, vamos crescendo na experiência do amor misericordioso de Deus. Nesta vida de humildade, de não julgamento dos outros, de escuta do Senhor e de confiança, está a nossa verdadeira oração.

Será nossa felicidade e nossa graça chegarmos ao final da nossa caminhada terrestre e dizermos como são Paulo: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor a sua manifestação gloriosa.” (2Tm 4,7-8).

Peçamos a luz do Espírito Santo, para que ilumine nossas ações na vida cotidiana e nos momentos em que celebramos a sua Palavra e comungamos de seu corpo, para não sermos incoerentes com o que falamos diante do Senhor. Que sejamos revestidos da confiança em Deus e da nossa humildade de filhos dEle e, nEle, irmãos de todos os homens. Aos que se encontram numa vida fora do caminho do Senhor, rezemos para que possam também voltar-se para Ele e recomeçar com uma vida nova, pela fé no amor e na divina misericórdia.

 

***

⇒ POESIA ⇐

Dignos da mesa do Senhor

 

Deixemos que o Senhor
Ensine-nos a rezar,
Com sua Santa Palavra,
Que ensina e que encanta,
Que anima a nossa vida,
Nas chegadas e partidas,
Com sua força sem cessar.

Deixemos que o Senhor
Abra o nosso coração,
Com a força do seu amor,
Com o seu forte fervor,
Fazendo-nos perseverar,
Nossa vida a iluminar,
Em profunda oração.

Façamos com o Senhor
Nossa forte oração,
Sem medo, sem desanimar,
Sempre e sempre a caminhar,
Na vida missionária,
Na vida também solidária,
Com e para os irmãos.

Fiquemos com o Senhor
A cada passo realizando,
Numa presença constante,
Caminheiro e caminhante,
Amigos em sinceridade,
Diálogo de lealdade,
Sempre, sempre retomando.

Sejamos com o Senhor,
Discípulos perseverantes,
Caminhando na esperança,
Em oração de confiança,
Nos braços do Deus amado,
Entregues e em nada reservados,
Totalmente confiantes.

 

*** Que a Palavra e a Luz do Mestre (Rabí) ilumine o seu caminho ***

 

 

XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM

Leituras: Ex 22,20-26; Sl 17(18); 1Ts 1,5c-10; Mt 22,34-40

POESIA

O AMOR VERTICAL E HORIZONTAL

Querendo amar ao nosso Deus
A quem fisicamente nós não vemos,
Precisamos também sempre amar,
Ao outro a quem nós conhecemos.

Assim é a vida do cristão,
Que busca viver a comunhão,
Num culto ao Deus da vida,
Celebrado no encontro de irmãos.

Viver os santos mandamentos
É viver a prática do amor,
Deixando sempre Deus agir,
Com sua presença e vigor.

Fixando em Deus e no humano,
Olhando no alto e também no chão,
No respeito e na reverência,
Na escuta e no olhar de atenção.

O Senhor vem nos ensinar,
Que o Amor é sempre a sua essência,
Lei máxima de seu reto agir,
Que invade à nossa existência.

Orienta-nos na nossa caminhada,
Boa-Notícia de paz e liberdade,
Que santifica e enobrece nosso ser,
E se espalha na vida de comunidade.

Em Cristo novo mandamento,
Para vencer todo vão rigorismo,
Aproximando a quem está distante,
E que vive no individualismo.

Porque o amor abarca toda lei,
Acima das letras ele permanece,
É o sentido da nossa existência,
Que nunca, nunca enfraquece.

Amar a Deus de todo o coração,
Com toda alma e entendimento,
E ao irmão como a si mesmo,
Pois o amor é vida e sentimento.

O Senhor também nos ensina,
Que seu amor é transcendente,
Está acima de nossas pretensões,
Existiu, existe e existirá para sempre.

HOMILIA

O amor ao divino e ao humano

“ ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37.39). Eis a grande exigência para vivência espiritual dos cristãos que brota do mandamento máximo pregado por Jesus. Eis a hierarquia simples dos preceitos de Deus apresentada pelo mestre nazareno para aquele grupo de fariseus, que mais uma vez colocam Jesus em uma situação embaraçosa.

Naquela época, os intelectuais da lei estudavam exaustivamente em busca de encontrar entre os 613 preceitos bíblicos o maior em uma hierarquia de importância. A pergunta feita a Jesus, pelo representante fariseu, é tendenciosa e tem o objetivo de pegá-lo em contradição.

Jesus vai buscar a sua resposta também nas escrituras: existem dois mandamentos que são maiores, que abrangem todos os outros: o primeiro é o amor total a Deus, um amor com todo o nosso coração, com toda a nossa alma, com todas as nossas forças e com todo o nosso entendimento (cf. Dt 6,4-5); o segundo é o amor ao próximo, igual ao amor por si próprio. Este preceito está no Levítico (cf. 19,18), que nos diz: Não seja vingativo, nem guarde rancor contra seus concidadãos. Ame o seu próximo como a si mesmo.”

Com certeza os fariseus sabiam deste preceito, mas não o consideravam importante, diferente da observância do sábado. Mas esta referência de amor ao próximo está escrita também no livro do Êxodo, na primeira leitura desta liturgia, quando diz: “não oprimas nem maltrate o estrangeiro, pois fostes também estrangeiros na terra do Egito” (Ex 22,20).

Estes versículos acima nos ensinam sobre a vivência do amor que devemos ter pelos sofredores e maltratados, os quais nem conhecemos e que precisamos acolhê-los como estrangeiros nas terras de nossa existência. Cada israelita carregava na sua história este sentimento de que um dia estivera em terra estranha e que Deus os tirou da escravidão. Neste sentido os judeus eram proibidos de desprezar um estrangeiro, uma viúva, um filho sem pai.

A resposta de Jesus sobre os dois maiores mandamentos é exatamente aquilo que ele vivia na sua missão e que nos testemunhou na sua entrega total no momento da crucificação. A sua vida foi uma permanente experiência de amor concreta ao Pai do Céu, na sua obediência, na sua oração e na sua sintonia contemplativa voltada para o alto.

Também esteve sempre com o seu coração e os seus braços voltados para socorrer os excluídos, discriminados pelo sistema religioso, político e econômico de seu tempo. Também esteve sempre aberto a acolher ricos e pobres que, pela conversão, decidiram abraçar o seu caminho e sua missão em favor do Reino de Deus.

O amor a Deus e ao próximo tem uma dimensão que nos lembra a cruz: um amor máximo ao alto onde está o nosso Deus (vertical) o qual se expressa no nosso culto verdadeiro pela escuta e obediência da Palavra; o segundo amor é dirigido ao irmão (horizontal) que caminha conosco, e que é imagem de Deus. Pelo amor ao nosso irmão, somos convidados a encontrar nele o próprio Cristo.

Não foi fácil para os fariseus aceitar esta condição que Jesus apresentou a eles e que inclusive estava escrito na lei. Colocar o amor a Deus e ao irmão no mesmo patamar, ainda hoje, é difícil para nós, pois exige a experiência da prática caritativa de amar o outro sem que ele nos ame. Amar os inimigos, aceitar muitas vezes os insultos, as críticas e as indiferenças e mesmo assim, querer o seu bem como queremos a nós mesmo, eis o desafio da experiência que brota da cruz de Jesus.

Muitas vezes somos motivados, naturalmente, pelo amor compensativo. Um amor que é dirigido aos que também nos amam. Aqui é importante dizer que entender o amor somente desta forma é ser incoerente ou incompleto no que se refere com ao mandamento de Cristo.

Ele se entregou por cada um de nós. Desceu a nossa condição de pecadores e miseráveis e se fez presente. Jesus nos ensinou a transcender no nosso amor: ir além dos nossos limites de puro sentimento e afetividade para uma entrega de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento.

Os pais e mães de família, os padres, os diáconos sabem muito bem desta realidade. Quantas vezes temos de acolher, por amor, aqueles que não simpatizamos, que são as ovelhas mais feridas de nosso rebanho. Quantas vezes nossos filhos nos enganam ou ignoram nossos conselhos e nós continuamos, por amor, rezando por eles e queremos o sem bem e seu sucesso. Este é o amor do qual Jesus nos fala no evangelho de hoje. Amar o próximo, a quem vemos, para amar a Deus, a quem não vemos (cf. 1Jo 4,20).

Esse amor que Jesus nos fala significa nosso movimento em direção aos que não conhecemos pessoalmente, tais como os doentes nos hospitais, os presos, o povo da rua e as família e crianças carentes. Eles precisam do nosso amor gratuito. É neles que está escondido o Cristo, crucificado pelos pecados humanos, e que precisam de nossa dedicação e atenção.

Lembremos sobre o amor a Cristo no irmão, como descrito no final do evangelho de Mateus: “eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar”. (Mt 25,35-36). Este amor nos conduzirá a salvação eterna.

Que o Espírito Santo nos fortaleça, nos anime e nos ensine a permanecermos amando a Deus na pessoa do nosso próximo, como uma experiência profunda do amor total a Cristo, nosso Rocha e Salvação. Amém.